Ele tinha 34 anos quando conseguiu o que muitas pessoas mais desejam: aposentar-se com conforto financeiro. Largou um emprego tranquilo e de boa remuneração comodesenvolvedor de software e passou a viver sua vida de outras formas. Foi viajar por três meses, começou a cuidar da saúde, tocar novos projetos, aventurar-se escalando montanhas e gastar tempo estudando a história, entre tantos outros. Tinha todo o tempo livre do mundo para tocar novos projetos que amasse e grana para colocá-los em prática. Parece uma história dos sonhos, correto? Não é bem assim.
Em artigo publicado em seu site de finanças pessoais Mad Fientist, o desenvolvedor Brandon, cujo sobrenome não é revelado por questões de privacidade, refletiu sobre seu primeiro ano como aposentado. Ou, como prefere defini-lo: “Meu Primeiro Ano de Liberdade”. O objetivo do texto é explicar às pessoas como é viver sem precisar depender de um emprego para pagar as contas. Uma de suas conclusões é que a felicidade e o conforto não vieram de forma tão natural e rápida como ele esperava. Ele explica os motivos, que estão — vejam só a ironia— fundamentalmente ligados a finanças.
Até completar 34 anos, Brandon diz ter vivido motivado por dinheiro. Ele guardava boa parte do que ganhava para conseguir se aposentar mais cedo. Economizava e investia 70% de seu salário líquido. Por viver de modo simples e trabalhar em uma área rural de Vermont, nos EUA, era possível colocar em prática esse plano. Seguiu essa estratégia por anos. Até chegar a primavera de 2014, quando ele finalmente tinha dinheiro o suficiente para poder largar o emprego. Ao anunciar sua saída, a empresa lhe ofereceu a possibilidade de continuar a trabalhar com elesremotamente. Brandon aceitou e passou alguns anos na ativa além do planejado, encaixando viagens com a esposa no período. O emprego durou até o casal se mudar para a Escócia, em maio de 2015. De lá, ele continuou a trabalhar em alguns projetos paralelos até se aposentar definitivamente em 29 de julho de 2016.
E o que aconteceu então? “Eu surtei”, diz. “Todos nós temos esses planos grandiosos. Dizemos para nós mesmos: se eu tivesse todo o tempo do mundo, aprenderia tal idioma e entraria em forma. Mas, quando chega a hora de colocar a roupa da academia e começar a se dedicar ao que você quer, é difícil”.
Aposentado, Brandon começou a planejar as novas experiências que gostaria de ter. Decidiu ir escalar com sua esposa, uma experiência que de tão apaixonante, diz, o fez pensar ser se um montanhista era o que queria para sua vida. Chegou à conclusão rápida de que não. Algum tempo depois, passou a refletir sobre como poderia fazer com calma aquilo que sempre fez de forma automática e com pressa. Pensou em como gostava de café e foi conhecer algumas cafeterias com tranquilidade, para apreciar melhor a bebida, e conhecer a história e o processo pelo qual passam os grãos que adora.
Em um segundo momento, decidiu cuidar da saúde, matriculou-se numa academia, já que agora não tinha mais a desculpa do trabalho para não se exercitar. Depois de umas semanas de adaptação e uma frequência assídua, passou a gostar das aulas e das mudanças que já apareciam em seu corpo. “Percebi como estava louco. Porque em apenas um mês eu fui de um desenvolvedor de software doente para um rato de academia saudável”. Os exercícios o ajudaram a diminuir o nível de estresse de forma geral.
Bem, esse foi o seu primeiro mês de liberdade. A partir do segundo, Brandon aproveitou para fazer aquilo que parece ser o sonho de muita gente ao largar um emprego: sair por aí, conhecendo o mundo. Passou três meses conhecendo 14 países de 4 continentes diferentes. Nessa viagem, aproveitou para visitar Vermort e tomar uma cerveja com seus velhos amigos.
Quando voltou de viagem, pensava que acabaria retornando ao trabalho. Foi quando a ficha caiu. Percebeu que não precisaria. Ficou tão animado que começou a se dedicar a uma série de projetos paralelos. Alguns, inclusive, que o faziam perder o sono. Mas os dias foram passando e ele não se via feliz ou confortável com a nova situação. Foi então que percebeu que sentia falta de ter o dinheiro como motivação. E isso o chocou profundamente. “O dinheiro motivou toda a minha vida até eu chegar aos 34 anos e me aposentar. Foi chocante e desconfortável essa mudança”, afirma.
Ele conta que estudou muito durante o colégio para entrar em uma boa faculdade que aumentasse suas chances de conseguir um emprego que pagasse um salário alto. E como quando conseguiu esse emprego passou a trabalhar de forma inteiramente focada e dedicada para ser promovido e, assim, ganhar ainda mais dinheiro. Não satisfeito, começou a fazer horas extras e a trabalhar emnegócios paralelos, para aumentar sua renda. “Eu pensava em cada escolha: onde iria viver, para onde iria viajar, o que faria. Escolhia tudo isso baseado no quanto iria me custar”.
Agora, diz, é “ótimo estar nessa posição”, mas “perder o que te move na vida é extremamente desorientador”. É difícil, por exemplo, tomar a decisão de quais projetos implementar sem ter o dinheiro como motivador. “E aí que você percebe quantas escolhas faz motivado por dinheiro. Tenho certeza de que se trata da maioria delas”.
A partir dessa reflexão, Brandson conta que precisou reavaliar toda sua vida: da forma como definia planos a suas fontes de motivação. Ele diz ainda não ter encontrado todas as respostas, mas que caminha nesse sentido. Por exemplo, ele tirou os anúncios de seu blog, algo que sempre detestou, mas que mantinha para cobrir os custos operacionais. Mudar essa mentalidade, fala, é ainda mais difícil para uma pessoa que passou décadas programando e aprendendo a pensar e a trabalhar sob a mesma lógica. “Estar satisfeito com o que se tem já é ótimo, mas você ainda precisa de algo para te motivar. Do contrário, o que te fará levantar da cama todos os dias? Especialmente quando essa cama é muito mais confortável?”, brinca.
Fonte: CBSI